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A Montanha dos Sete Abutres

Billy Wilder era o roteirista mais perigoso de sua época. Com sua inteligência ferina, escrevia diálogos e situações que atacavam fortemente certos setores da sociedade, mas disfarçados de simples comédias. Neste projeto ele criticou ferozmente a falta de ética no jornalismo.

A capacidade de síntese do diretor se mostra claramente nesta obra-prima. Somos apresentados ao jornalista Chuck Tatum (vivido por Kirk Douglas), que parece esbanjar arrogância enquanto intenciona encontrar-se com o editor de um pequeno jornal de uma cidade interiorana. Antes de entrar em sua sala, têm sua atenção guiada a um quadro bordado de maneira simples na parede, com os dizeres: “Diga a Verdade”. Surpreende-se ao encontrar o mesmo símbolo no escritório do editor e com muita atitude se dirige ao velho profissional dizendo: “Sou um mentiroso…. Se eu não tiver notícias a dar, eu vou para a rua e mordo um cão”. Após contar sobre os vários problemas que causou em seus trabalhos anteriores, acaba aceitando a menor oferta de pagamento do editor. Em apenas cinco minutos, o diretor nos introduz de forma brilhante à força motriz da trama: o personagem de Douglas e seu caráter.

A montanha dos sete abutres

O jornalista ambicioso sabe que precisa de uma história realmente impactante para pavimentar seu caminho até o sonhado prêmio Pulitzer. De uma forma completamente arbitrária ele acaba conhecendo o drama de um jovem mineiro, vítima de um deslizamento de terra enquanto trabalhava em uma mina. Inicialmente o que chama a atenção de Tatum é o nome dado pelos índios ao local: “Montanha dos Sete Abutres”, afirmando que gostava do som daquela frase.

A eficiência do roteiro de Wilder se encontra em sua simplicidade. Como no diálogo travado entre Tatum e seu jovem colega de profissão, sobre o interesse humano, onde afirma sorridente que é muito melhor uma tragédia com uma vítima, do que uma com cem ou mil! Quando uma pessoa lê nos jornais sobre uma tragédia de enormes proporções, ela se entristece, mas aquilo não muda sua vida. Quando se lê a respeito de uma tragédia com apenas uma vítima, instantaneamente você se coloca no lugar dela e não consegue pensar em outra coisa, enquanto aquela pessoa não estiver a salvo.

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O filme se encaminha a um ponto onde começamos a nutrir nojo pelo ser humano. O jornalista começa a atrasar propositalmente o resgate do humilde trabalhador, causando uma comoção nacional. O asco que sentimos é maior ao constatarmos que o tema ainda se mostra extremamente atual, inclusive ao retratar o comportamento humano diante destes eventos. Multidões se aglomeram no local, como urubus cercando a carne exposta ao sol do deserto.

O filme foi um fracasso de público e crítica (não me surpreendo) na época de seu lançamento. O próprio diretor decifrou o enigma, quando afirmou que o público havia rejeitado violentamente o filme, pois se reconheciam na tela como os grandes vilões da trama. Verdade absoluta, mestre. Os jornalistas sem ética apenas alimentam as feras… Não as criam.

Por Octavio Caruso

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Perfil de Octavio Caruso

Octavio Caruso

Octavio Caruso é ator, escritor e crítico de cinema, autor do livro: Devo Tudo ao Cinema, colaborador fixo no site da colega jornalista Anna Ramalho, ele escreve também em um blog sobre cinema.

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