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Glossário básico para reportagens sobre a justiça criminal brasileira

O guia “Manual de Direito Penal para jornalistas” apresenta um resumo dos assuntos mais abordados pelo jornalismo na área criminal e oferece conceitos e informações sobre o sistema de justiça criminal brasileiro.

(Foto: Pixabay)

Deflagrada em março de 2014, a Operação Lava Jato investiga um esquema de corrupção e lavagem de dinheiro que envolve políticos, empresários e funcionários de estatais de todo o Brasil. Nestes anos, foram quase 2 mil procedimentos instaurados, envolvendo um número alto de prisões cautelares, pedidos de habeas corpus, denúncias… Mas você sabe o que significam todos esses termos? Tem dificuldade para ler ou fazer reportagens sobre a justiça criminal brasileira?

O guia “Manual de Direito Penal para jornalistas”, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), apresenta um resumo dos assuntos mais abordados pelo jornalismo na área criminal e oferece conceitos e informações sobre o sistema de justiça criminal brasileiro. No material, o “juridiquês” é explicado com simplicidade para que repórteres produzam reportagens mais precisas. Os leitores também podem aproveitar para tirar dúvidas sobre termos cujo significado nem sempre está claro nas notícias de temas jurídico e policial.

“A liberdade de imprensa e as garantias constitucionais individuais são igualmente basilares num Estado Democrático de Direito”, declara o texto, justificando a criação do guia. “Embora nas coberturas jornalísticas de casos criminais com muita frequência tais preceitos entrem em choque, é preciso que o desafio constante de alcançar um equilíbrio seja uma preocupação presente para os profissionais do jornalismo.” Confira o glossário:



Inquérito, denúncia, ação penal, réu, suspeito…

Após a ocorrência de um crime, a pessoa investigada é aquela que está sob investigação policial, mas contra a qual ainda não existem elementos para ser considerada oficialmente suspeita. Quando um delegado de polícia toma a decisão de investigar alguém, essa pessoa é identificada como indiciada. O procedimento pelo qual a polícia e o Ministério Público investigam a ocorrência ou não de um crime é chamado de inquérito policial.

O indiciado passa a ser visto como denunciado se, após a conclusão do inquérito, o Ministério Público opte por denunciá-lo à Justiça. Após o recebimento da denúncia pelo juiz, a pessoa torna-se a parte acusada em um processo penal (também conhecida como réu). Ao final do processo, em caso de condenação, o réu passa a ser denominado condenado, mas não culpado. Essa denominação só é atribuída após o término em definitivo do processo, sem possibilidade de recurso.

Vale ressaltar que a denúncia, instrumento pelo qual o Ministério Público formaliza uma acusação perante o juiz, é a petição inicial de uma ação penal pública. A ação penal é uma prerrogativa por meio da qual se pede ao Poder Judiciário a condenação de alguém por uma prática ilícita. Em regra, apenas o MP pode ingressar com ação penal para acusar uma pessoa de um crime (essa é a chamada ação penal pública incondicionada). Mas existem duas exceções: (1) a ação penal pública condicionada, que o MP só pode formalizar se tiver autorização da vítima; e (2) a ação penal privada, proposta pela própria vítima, mediante a contratação de um advogado.

No processo penal, o recurso é uma medida pela qual a parte insatisfeita com uma decisão judicial pede sua revisão por juízes de Instância Superior, Código Recursal ou outro órgão do Poder Judiciário competente. Já a apelação é uma modalidade de recurso pela qual a parte insatisfeita pede especificamente a alteração ou anulação de uma sentença (veja abaixo as definições de decisão judicial e de sentença).



Competências

O julgamento de crimes no Brasil passa por fases, conhecidas no meio jurídico como instâncias. As varas criminais estaduais e federais compõem a Primeira Instância, e os Tribunais de Justiça (no âmbito estadual) e os Tribunais Regionais (no âmbito federal) formam a Segunda Instância. Em outras palavras, o processo penal começa a tramitar nas varas e, após decisão judicial, caso a parte insatisfeita peça recurso, o julgamento continua nos Tribunais. Os juízes de Segunda Instância são chamados desembargadores.

Além das varas e Tribunais, existem o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal. Ao STJ cabe atuar para manter a conformidade nas decisões de Segunda Instância, garantindo que decisões de Tribunais estaduais e federais não entrem em contradição. Já o STF, corte máxima do país, tem como principal atribuição a guarda da Constituição Federal, julgando causas em que se discuta a constitucionalidade de atos dos três poderes e casos em que os direitos constitucionais são ameaçados. Dependendo da situação, os recursos podem levar um processo criminal a ser decidido no STF, cuja decisão deve se impor sobre a de outros tribunais.

Já o Ministério Público é a instituição à qual cabe propor ao juiz a ação penal pública (que se diferencia da ação penal privada por não exigir a mediação de um advogado) e atuar nos processos criminais, pedindo tanto a condenação quanto a absolvição do réu. Responsável por atuar em defesa dos interesses da coletividade, o MP também deve fiscalizar a correta aplicação da lei nos órgãos públicos. Na Justiça Federal, quem atua é o Ministério Público Federal, também conhecido como Procuradoria-Geral da República. Trabalham no MP os promotores de Justiça ou procuradores da República.



Legislação

O Código Penal (Decreto-lei 2.848/40) é a principal lei penal brasileira. Dividido em dois, (1) apresenta as definições de crime e de pena e as regras gerais de aplicação penal na primeira parte e, (2) na segunda, descreve os crimes que existem e suas respectivas penas. O conteúdo da primeira parte do código se aplica a outras leis penais brasileiras.

Já o Código de Processo Penal (CPP) (Decreto-lei 3.689/41) é a principal lei sobre o processo penal no Brasil. O código define as normas gerais sobre ação penal, procedimentos, prisões provisórias e recursos. As regras também são aplicáveis a outras leis processuais penais.

Existe ainda a chamada legislação extravagante, conjunto de leis penais que tratam de crimes, penas e normas processuais que não estão contempladas no Código Penal ou no CPP. Alguns exemplos dessa legislação são a Lei Seca, a Lei Maria da Penha e a Lei de Execução Penal.

No ordenamento jurídico (o conjunto de normas definidas pelo Estado), quando há dúvida sobre qual regra deve ser aplicada, algumas normas prevalecem sobre as outras. No topo dessa hierarquia está a Constituição Federal; depois, vêm as leis e os decretos (atos legislativos); depois, portarias, resoluções e outros atos administrativos; e, por fim, estão os contratos, decisões judiciais e outros atos e negócios jurídicos.



Tipos de decisão judicial

Há três tipos de decisão judicial proferidas ao longo de um processo:

1. Despacho: decisão proferida pelo juiz durante o processo para determinar ou ordenar algo específico, como a produção de uma prova;

2. Sentença: decisão que põe fim ao processo em Primeira Instância, determinando a condenação ou absolvição do réu;

3. Acórdão: decisão com a mesma natureza da sentença, mas proferida pelo que se chama de órgão colegiado, geralmente composto por três magistrados dos Tribunais de Instâncias Superiores. O acórdão decide sobre os recursos interpostos pelas partes do processo após a decisão que pôs fim à Primeira Instância.



Prisão cautelar

É um tipo de prisão efetivada durante o processo criminal, antes de haver condenação definitiva do acusado.

A prisão cautelar é uma prisão temporária quando é indispensável para o prosseguimento das investigações de certos crimes. Só pode ocorrer se o acusado não tiver residência fixa. Seu prazo máximo é de cinco dias para crimes comuns e de trinta para crimes hediondos, com possibilidade de prorrogação se necessário. Essa modalidade de prisão é definida pela Lei de Prisão Temporária (Lei 7.930/89).

Já a prisão preventiva é um tipo de prisão cautelar decretado pelo juiz quando a liberdade do indivíduo representar risco à ordem pública, à produção de provas no processo ou se houver suspeita de que ele pode fugir. Diferente da prisão temporária, não tem prazo máximo determinado; por isso, deve ser revogada assim que a situação que a justificou deixar de existir.

Em casos distintos dos citados acima, a prisão cautelar é considerada um procedimento ilegal, na medida em que o Estado só pode restringir a liberdade de ir e vir de um cidadão após sua condenação definitiva. Lembrando que prisão é exceção, e não regra, e só pode ser considerada legítima quando preenche os requisitos pré-estabelecidos em lei.



Habeas corpus

É a ação judicial que tem como objetivo proteger o direito à liberdade de ir e vir do cidadão contra uma prisão ilegal iminente ou já efetivada. No Brasil, é previsto na Constituição Federal e considerado uma garantia fundamental.

Presunção de inocência

É uma regra prevista na Constituição Federal que determina que ninguém pode ser considerado culpado por um crime até que os fatos sejam apurados e, depois de um julgamento, exista uma condenação definitiva. Isso significa que o tratamento dado ao réu durante o processo deve ser de neutralidade, e a ele devem ser garantidas todas as possibilidades de se defender. É por causa da presunção de inocência que a prisão cautelar e outras medidas cautelares – instrumentos de restrição de direitos do acusado mais brandos que a prisão, definidos pela Lei 12.403/11 (exemplo: monitoramento por tornozeleira eletrônica) – devem ser excepcionais no sistema de justiça criminal.

Segundo o guia do IDDD, é também por causa da presunção de inocência que toda pessoa, mesmo que tenha sofrido prisão cautelar ou confessado um crime, deve ter direito à própria imagem e sempre ser preservada do sensacionalismo (na imprensa, por exemplo). A Lei de Execução Penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente garantem esse direito.



Direitos e garantias fundamentais

Os direitos fundamentais, também definidos pela Constituição Federal, protegem bens os jurídicos individuais (como a liberdade) ou sociais (saúde, educação) considerados como o mínimo para que uma pessoa viva de maneira digna. Na área criminal, as garantias fundamentais são as medidas judiciais utilizadas para a proteção desses direitos – o habeas corpus é um exemplo. É importante ter em mente que, na medida em que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da república brasileira, todo legislação no país deve ser constituída tendo os direitos fundamentais como paradigma. Quaisquer normas que possam restringir esses direitos e garantias fundamentais serão inconstitucionais.

Por Mariana Gonçalves

Perfil da Autora

Mariana Gonçalves é estudante do 6º semestre de jornalismo na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Neste semestre, participou da 3ª edição do módulo sobre direito de defesa e cobertura criminal do Projeto Repórter do Futuro. Este texto foi produzido no âmbito do projeto.

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