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“A noção de notícias falsas sempre percorreu a história humana”, destaca Mário Sérgio Cortella

Na tarde desta quinta-feira, 16 de março de 2018, ocorreu na Livraria Cultura do conjunto Nacional (São Paulo) o debate intitulado: “Como combater as Fake News”. O evento, promovido pelo site Catraca Livre, contou com a participação de Mário Sérgio Cortella, Leonardo Sakamoto, Ariel Kogan (diretor do Instituto de Tecnologia e Equidade), Gilberto Dimenstein, Pablo Ortellado (professor da USP) e Rodrigo Helser (desenvolvedor do software Stilingue), e teve como objetivo promover a discussão sobre as possíveis alternativas para conter a propagação de notícias falsas.

(Foto: Vanessa Assis)

As honras da casa foram feitas por Dimenstein, que iniciou o debate falando sobre uma campanha promovida pelo Catraca Livre em parceria com diversas empresas, como a Microsoft e o Instituto SEB, que tem como objetivo atrair desenvolvedores de softwares para criarem uma ferramenta que contenha a propagação de Fake News. As empresas pagarão cem mil reais para o criador do programa, e a ferramenta será de uso público.

“Tudo o que é tocado pelo campo político divide o Brasil”, alerta Pablo Ortellado

Pablo Ortellado iniciou o debate falando sobre os seus estudos iniciados após os protestos de junho de 2013, que enfatizavam a polarização política. Sobre tais pesquisas, Ortellado esclareceu: “A gente começou a analisar o que estava acontecendo nas redes, mapear o debate na rede, fazer gráficos de como o processo dessas novas mobilizações a partir principalmente de 2014, sobretudo, polarizaram as redes, toda uma estrutura que tinha nas redes que não era nada polarizada, nem um pouco”.

“A partir do primeiro semestre de 2014, ela cria um grande abismo polarizado, de um lado o anti-petismo, do outro lado a esquerda, e isso termina estruturando e dividindo a sociedade civil brasileira, ou pelo menos um pedaço da sociedade civil brasileira que se dedica à política. E em seguida, a gente começou a monitorar o consumo de notícias. Nós desenvolvemos um software, que é um monitor , e hoje a gente monitora o consumo de 5 mil notícias políticas por dia”, contou Pablo.

Ortellado concluiu que através da pesquisa realizada, é possível afirmar que o “ódio sistêmico” e a polarização política surgiram no primeiro semestre de 2014, e que esse fenômeno vai além do antagonismo político. “A polarização é um antagonismo de tal intensidade que ele leva a um alinhamento automático dos campos, ou seja, tudo o que um campo diz, o outro automaticamente nega”, afirma o professor. “Tudo o que é tocado pelo campo político divide o Brasil”, completa Ortellado.

Outro ponto de destaque trazido pelo professor diz respeito ao quanto desta polarização política é disseminado por robôs atualmente. Ortellado constatou que entre as redes sociais, o Twitter possui muitos perfis robotizados, e que tais perfis são desenvolvidos para colocar determinado assunto nos “Trending Topics”. O Facebook possui perfis falsos, operados por pessoas com o objetivo de enganar.

O software desenvolvido por Ortellado também constatou que atualmente, 50 por cento das notícias propagadas sobre política nacional são originadas de pequenos veículos de comunicação, da imprensa alternativa. A outra metade de notícias partem dos grandes veículos, que ele considerou como Folha de S. Paulo, Estadão, O Globo, as revistas impressas e os portais do Uol e do G1.

“Infelizmente a disciplina de ética normalmente é a disciplina mais capenga nas faculdades”, comenta Leonardo Sakamoto

A discussão prosseguiu com Sakamoto falando sobre as principais notícias falsas que foram divulgadas sobre ele. Contou sobre uma notícia propagada em 2016 por um jornal de médio porte de Minas Gerais, que continha até uma entrevista pingue-pongue intitulada ser dele, falando que os aposentados eram inúteis à sociedade. Ele precisou se retratar sobre isto e esclarecer que se tratava de uma Fake News, porém até hoje sofre as consequências de tal fato.

(Foto: Vanessa Assis)

Sobre os efeitos colaterais das notícias falsas, Sakamoto considerou: “na internet, o boato tem cauda longa, e as pessoas não gostam do desmentido, não gostam de dizer ‘opa, errei’, pois quando você diz na sua rede ‘opa, errei’, as pessoas que receberam a sua postagem dizem ‘opa, não vou mais confiar naquele cara’. E as pessoas gostam do lugar do like, do lugar do share. O lugar do like é um lugar quentinho”.

Outra notícia falsa de grande impacto sobre Sakamoto falava que ele recebeu 1 milhão de reais do PT para defender o partido, e foi divulgada através de um anúncio pago ao Google. O UOL e a Folha de S. Paulo conseguiram autorização judicial para quebrar o sigilo do Google e descobriram que o anúncio foi pago pela JBS-Friboi.

Para o jornalista, a proliferação dos “haters” e das notícias falsas ocorre porque as pessoas têm certeza do anonimato, sabem que não serão identificadas. Poucas pessoas sabem que é possível identificar os IDs de onde partem as notícias, e consequentemente, que é possível identificar o autor da Fake News e outros ataques virtuais.

Sakamoto falou ainda sobre a formação dos novos jornalistas. “O principal debate na faculdade de jornalismo deveria girar em torno de ética, na minha opinião, e infelizmente a disciplina de ética normalmente é a disciplina mais capenga nas faculdades”, desabafou o jornalista. Leonardo discorreu sobre a incompatibilidade do que é ensinado nas faculdades com o que de fato ocorre na sociedade e no jornalismo atual.

“A gente fica falando de Fake News enquanto boa parte da sociedade não sabe nem o que é News. A sociedade não sabe a diferença do que é notícia e do que é opinião”, comentou Sakamoto, que ponderou que os jornalistas deveriam saber guiar os consumidores de notícia para saberem o que é notícia e o que é opinião. “A faculdade de jornalismo deveria preparar profissionais de jornalismo para fazer uma alfabetização midiática”, completou.

Um software contra as notícias falsas

O diálogo foi continuado por Rodrigo Helser, desenvolvedor do software Stilingue. Rodrigo esclareceu que o software tem a capacidade de coletar em tempo real todas as notícias online sobre determinado termo. A ferramenta busca o que está acontecendo nos últimos 30 minutos, e com algumas limitações, consegue apontar se o que está sendo falado é positivo ou negativo, ou se a conversa está ganhando interações.

Helser explicou que a diferença do Stilingue para os sites de busca convencionais (como o Google) é que estes buscam apenas termos e notícias divulgados em sites, enquanto o Stilingue busca em redes sociais e sites, assim como os sites de buscas não fazem análises do que foi localizado através da pesquisa, o que é feito pela ferramenta desenvolvida por ele.

(Foto: Vanessa Assis)

Dimenstein aproveitou para divulgar que a campanha contra as Fake News, a qual ele apelidou de “guerra de guerrilha”, terá um “quartel general”, que será uma instalação na Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, onde haverá diversos computadores conectados através dos mais sofisticados recursos de inteligência artificial, bem como um grupo de pessoas que checarão as informações.

Rodrigo complementou esclarecendo que se trata de uma força tarefa que fará toda a conferência das informações divulgadas durante o período eleitoral, visando que o conteúdo seja democrático e com opinião equilibrada, e que as notícias falsas sejam denunciadas.

“O debate sobre Fake News importa à democracia. Mas a democracia importa à quem?”, perguntou Cortella

A conversa continuou com Mário Sérgio Cortella, que trouxe explicações do ponto de vista filosófico sobre o que é mentira. Cortella iniciou a sua explanação falando sobre o atentado contra as Torres Gêmeas em Nova York, e como naquela época a notícia era valorizada. “Vieram te chamar e dizer que estavam atacando os Estados Unidos, estão jogando um avião em Nova York. Qual foi a primeira coisa que você fez? Conferiu na televisão. Isto é, o fato de alguém dizer que aquilo estava acontecendo não daria àquilo o ar de veracidade”, exemplificou o filósofo.

“Até algum tempo, a noção de notícia não verdadeira era quase um privilégio da imprensa”, comentou Cortella para a plateia. “Há uma reação muito forte hoje a algo que sempre existiu na história, que é o falseamento na comunicação e na veracidade. É que hoje, pela primeira vez em larga escala, isso desinteressa à uma parte da sociedade. A principal vítima das Fake News hoje é a esquerda”, completou.

Cortella considerou que a noção de verdade e mentira tem uma natureza histórica que tem relação não só com a sua relevância, como com a sua conveniência. “O debate sobre Fake News, ele importa à democracia. Mas a democracia importa à quem? A grande questão é: à quem importa a democracia? Porque a noção de notícias falsas, ela sempre percorreu a história humana”, disse o filósofo.

“Qual é o nosso nível de legitimidade em relação a emissão de uma informação?”, questionou Cortella. O filósofo usou como exemplo o fato ocorrido com ele, no qual um intelectual afirmou que ele era um analfabeto funcional. Cortella perguntou se havia algum estudo que comprovasse tal afirmação ou se era apenas a opinião do intelectual, e teve como resposta que aquilo se tratava apenas de uma opinião.

“Não é a mesma coisa uma pessoa dizer que eu sou analfabeto funcional de alguém dizer que eu sou pedófilo, porque isso é uma acusação sobre a prática de um crime, porque eu sou avesso ao fechamento de exposições que trazem pessoas nuas com toda a cautela pedagógica que é necessária”, Cortella usou o exemplo para falar sobre a distinção entre o que é acusação e o que é opinião. “O que eu acho que é arriscado hoje, em relação ao mundo das notícias falsas, é que elas fazem acusações, e não que elas expressam opiniões”, concluiu.

Por Vanessa Assis

Perfil da Autora

Vanessa Assis, 28 anos. Estudante do 5º semestre de Comunicação Social – Jornalismo no Complexo Educacional FMU FIAM-FAAM. Formada em Direito pela Universidade São Judas Tadeu.

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