“Seu Dodô trabalhava de madrugada, dirigindo a Rural Willys do Globo, nos anos 1960. Um dia, teve de fazer um serviço sem acompanhante. Quando chegou à zona sul, começaram a chover telefonemas para a redação avisando que tinha um carro do jornal andando sozinho. É que ninguém percebia o motorista: muito negro e muito baixinho, seu Dodô simplesmente desaparecia no interior do veículo.” Essa é uma das histórias contadas no livro “Repórter no Volante: o papel dos motoristas de jornal na produção da notícia”. Apesar de ser verdadeira, ela pode ser utilizada como uma perfeita metáfora da invisibilidade de um profissional tão importante para o trabalho de reportagem.
A jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense (UFF), Sylvia Debossan Moretzsohn, autora da obra, procura ressaltar a importância dos motoristas como membros de uma equipe, tanto no desempenho de sua tarefa mais elementar –a condução do carro– quanto nas muitas outras formas de colaboração.
![Sylvia Debossan Moretzsohn](https://www.casadosfocas.com.br/wp-content/uploads/2013/06/Snap-2013-06-26-at-22.00.34.png)
Ser motorista de jornal não é para qualquer um, pois “o motorista de reportagem tem de ter a agilidade de um motorista de ambulância, o conhecimento de um motorista de táxi e a agressividade de um motorista de ônibus”, diz um trecho da publicação.
Logo na introdução da obra é explicada a divisão do trabalho. “O livro se divide em duas partes. A primeira traz dois capítulos: um sobre as transformações da prática jornalística diante das novas tecnologias, o que aponta uma série de incógnitas sobre o futuro dessa atividade; e outro sobre as relações entre jornalistas e motoristas, compondo um amplo quadro de colaboração –e eventuais conflitos–, solidariedade e mesmo amizade, refletido nas esticadas depois do fechamento e nas confraternizações em festas, churrascos e botequins. A segunda parte reúne uma seleção de entrevistas com motoristas, nas quais eles expõem sua maneira de encarar o trabalho, suas contribuições para a realização das reportagens e também, frequentemente, suas frustrações pelo não reconhecimento de seu papel como membros de uma equipe.”
Uma série de histórias de repórteres e fotojornalistas em ação, são apresentadas no livro a partir de um ponto de vista diferente: o de seus motoristas. Dessa forma, a autora ressalta a importância do trabalho coletivo no jornalismo e torna conhecidos personagens que costumam ficar à margem, relegados à sombra.
Funcionários do antigo Jornal do Brasil, do Globo, do Extra, do Dia e da sucursal carioca da Folha de S.Paulo fizeram parte do grupo de motoristas entrevistados pela jornalista, o que rendeu boas histórias.
Ao longo da leitura do livro, pode-se comprovar a afirmação de um dos entrevistados: “O motorista é o segundo olho do repórter”. Por sua origem social e seu local de moradia, os motoristas podem dar sugestões de pauta que possibilitam a ampliação do olhar sobre a cidade. “Saem do carro, ficam circulando, encostam-se no balcão de um bar, fumam um cigarro, pedem um cafezinho e puxam conversa com quem está por ali. Raramente voltam sem alguma informação relevante.”
De acordo com o fotógrafo Domingos Peixoto, um dos entrevistados, a importância do motorista para a reportagem é de 50%, especialmente quando se trata de situações de conflito: “Quando você chega numa comunidade carente, você tem um grupo de pessoas que quer falar e ao mesmo tempo um grupo de pessoas que não quer, porque tem receio. O acesso mais fácil pra essas pessoas é o motorista, porque o motorista está afastado do tumulto. Se você quer falar alguma coisa que precisa ficar em off, você vai falar com o motorista. Aí começa a hierarquia. Em segundo plano vem o fotógrafo, as pessoas gostam muito do fotógrafo, porque sabem que ele vai documentar. E, se registrar, tá registrado. E em terceiro lugar vem o repórter. Sempre é essa hierarquia.”
Se um repórter fez uma ótima matéria, um fotógrafo tirou um belo retrato, e ambos foram premiados, quem os conduziu? Esse é o mote do livro que eu aconselho a todos os estudantes de jornalismo.
Leia também:
– Livro ensina maneira prática de escrever um texto jornalístico em português bem claro
– Mestres da Reportagem ensina como ser Repórter
– Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros
Título: Repórter no volante: o papel dos motoristas de jornal na produção da notícia
Autora: Sylvia Debossan Moretzsohn
Editora: Publifolha
Ano: 2013
Páginas: 183
Por Emílio Portugal Coutinho.