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Apu Gomes conta sua experiência no fotojornalismo

Apu Gomes durante cobertura da guerra na Líbia em setembro de 2011
Apu Gomes durante cobertura da guerra na Líbia em setembro de 2011

Fotojornalista desde 2004, Apu Gomes atualmente trabalha no Jornal “Folha de São Paulo”. Nesse veículo já fez grandes coberturas, dentre elas estão matérias sobre a cracolândia produzidas entre os anos de 2007 e 2009 na cidade de São Paulo, sobre a pacificação do morro do alemão em 2009 no Rio de Janeiro e sobre a Guerra na Líbia. Apu conta à Casa dos Focas um pouco sobre sua experiência no fotojornalismo, suas dificuldades na profissão e deixa algumas dicas aos que querem seguir a carreira fotojornalística.

Casa dos Focas – Como você escolheu a profissão de fotojornalista? Você teve influência de algum amigo ou familiar?
Apu Gomes – Eu trabalhava de motoboy em uma agência de publicidade. Ali tive contato com um fotógrafo que, vendo meu interesse pela fotografia me incentivou me ensinando a parte técnica da fotografia e indicando uma boa câmera fotográfica.

Afim de continuar aprendendo, fiz um curso de fotojornalismo, com seis meses de duração ministrado por João Bittar. Uma das propostas desse curso era inserir o fotógrafo no mercado de trabalho e realmente ele dava uma dimensão muito boa de como funcionava o mercado de trabalho e qual seriam os caminhos para entrar nele.

Através de alguns colegas de curso, que já trabalhavam na área, fiquei sabendo de uma agência de fotojornalismo em São Paulo que disponibilizava fotos de freelancers para jornais e revistas, o valor das fotos compradas era dividido entre a agência e o fotógrafo.

Eu resolvi trabalhar nessa agência para pegar uma experiência de trabalho e saber como era o dia a dia de um fotojornalista, ali fiquei durante dez meses. Por pior que fossem as pautas, eu sabia que isso fazia parte de um processo de aprendizagem que estava me proporcionando entre outras coisas, a possibilidade de estar ao lado fotojornalistas profissionais que já trabalhavam em jornais e revistas.

Um dia fui com o meu portfólio bater na porta do Diário de São Paulo. O editor de fotos desse jornal me deu alguns conselhos sobre o tipo de foto que o jornal costumava publicar e me passou o contato dele, para o que eu enviasse as fotos que eu fosse tirando.

Fiquei muito feliz quando vi a minha foto publicada no jornal pela primeira vez. Depois de um tempo trabalhando dessa forma, o jornal resolveu me convidar para cobrir a folga de alguns profissionais. Após um ano e meio trabalhando nesse esquema no Diário de São Paulo, melhorei meu portfólio e adquiri uma experiência maior.

Resolvi ligar para a Folha de São Paulo, e depois de muita insistência consegui marcar uma entrevista com o editor de fotografia desse jornal. Ele fez uma leitura de meu portfólio e ficou com o meu contato. Após algum tempo me telefonaram me oferecendo para fazer um freela. Eu aceitei na hora. E fiquei por um curto período freelando entre os dois jornais.

Comecei a trabalhar na cobertura de final de semana, onde fiquei durante um ano e oito meses, mas vendo pouca perspectiva nisso resolvi ir com um amigo para a Amazônia, onde fizemos uma matéria sobre um garimpo que era maior que o de Serra Pelada.

Ficamos quarenta dias na Amazônia, morando com os garimpeiros, comendo a mesma comida deles, dormindo no mesmo local, acordando no mesmo horário, enfim, a única diferença é que nós não garimpávamos o ouro, nós garimpávamos as fotos.

Voltando da Amazônia, conseguimos publicar nossa matéria na revista brasileiros, graças à ajuda de João Bittar. A BBC de Londres também publicou nossa matéria e texto em seu site.

Fotos de Apu Gomes publicadas no site da BBC
Fotos de Apu Gomes publicadas no site da BBC

A Folha de São Paulo vendo o material publicado, resolveu me convidar para trabalhar na cobertura de madrugada. A vaga tinha acabado de ser aberta e eu aceitei de cara. Era a porta dos fundos, mas foi a que abriram para mim, eu entrei nela para depois sair pela da frente. Fiquei três anos na cobertura da madrugada e desde de 2010 estou trabalhando durante o dia na Folha.

CF – Na sua opinião, qual deve ser a relação do fotojornalista com o repórter durante uma reportagem?
Apu Gomes – A relação entre os dois tem que ser a mais próxima possível, apesar de serem dois trabalhos diferentes, a fotografia e o texto, eles tem que andar lado a lado. É um trabalho em equipe, você precisa saber o que repórter pensa, o que ele acha da pauta e ele tem que saber o que o fotojornalista pensa sobre ela. Um tem que saber o que o outro está fazendo ali, o que o outro pensa da história. Por exemplo, agora mesmo eu recebi uma ligação do repórter que esteve fazendo uma matéria comigo no final de semana. Ele me mandou o texto da matéria, nós viajamos juntos, e sempre que ele ia entrevistar alguém eu estava junto dele, pois eu sei que quanto mais informado você estiver sobre o assunto, mais informações você vai conseguir colocar na sua foto. Algumas vezes eu só consigo saber que foto eu tenho que fazer, depois de ouvir o que o entrevistado falou. Particularmente eu acho essencial esse trabalho em conjunto.

Apu Gomes
Apu Gomes, fotojornalista da Folha de São Paulo


CF – Normalmente o jornalista conversa antes com repórter fotográfico, ou conversa no caminho? Como é que funciona?
Apu Gomes – Depende da pauta. Em São Paulo há a questão logística do jornal. Dificilmente o fotojornalista sai para a rua com o repórter. Às vezes você já está na rua, o repórter te pauta e você se encontra com o repórter na rua já na hora da entrevista, então você nem mesmo sabe direito sobre o que trata a matéria.

Mas se é uma pauta especial, uma pauta fora daqui, você já tem tempo para se planejar junto com o repórter, saber o que você vai fazer, aonde vocês vão. Se tiver o tempo para discutir a pauta melhor ainda.

CF – Que método você utiliza para conseguir fotografar determinadas cenas sem entrar em confusão?
Apu Gomes – Para você não se meter em confusão é simples, é só você respeitar as pessoas. Se a pessoa não quer ser fotografada e você continuar apontando a câmera para a cara dela, você vai arrumar confusão. Eu parto do seguinte princípio, eu só fotografo quem quer ser fotografado. Por seguir esse princípio eu não costumo ter nenhum problema desse tipo.

Às vezes você vê cenas que dariam ótimas fotos, mas você não pode fotografar, pois não é o momento, não convêm sacar a câmera ali naquele momento. Em outras ocasiões você vai ali autorizado, aí você saca a câmera e faz a foto.

Fotografia tirada por Apu Gomes durante uma cobretura sobre a Cracolândia em São Paulo-SP
Fotografia tirada por Apu Gomes durante uma cobertura sobre a Cracolândia em São Paulo-SP

CF – O que é mais perigoso: fazer uma cobertura de situação de conflito em um país em guerra ou em uma cidade como São Paulo? Por que?
Apu Gomes – É difícil dizer aonde é mais perigoso, porque na verdade você nunca sabe quando é que as coisas vão acontecer. Se a gente pudesse prever seria bem mais fácil. Mas é relativo, muitas vezes eu acho que trabalhar aqui no Brasil, em São Paulo, muitas vezes é mais perigoso do que trabalhar na Líbia, ou em qualquer outro lugar que esteja sofrendo uma guerra civil ou um conflito armado desses. Porque aqui, por exemplo nessas coberturas dessas coisas que vem acontecendo em São Paulo, mortes de policiais, mortes de pessoas civis, a gente não sabe quem é o inimigo. Ele pode ser uma pessoa que está do seu lado e você não sabe. Então você fica exposto à uma situação de risco, de perigo, pelo fato de ser um jornalista, de estar com uma máquina fotográfica na mão. Por outro lado, em uma guerra civil, existem dois lados, então você escolhe um dos lados e sabe quem é seu inimigo, quem está lá do outro lado. Existe o risco de ser atingido por uma bomba ou um tiro, mas tudo isso vai da sua experiência de saber lidar com a situação quando você está num local como esse.

CF – Que conselho você dá para os que pretendem seguir a carreira de fotojornalista?
Apu Gomes – O conselho que eu dou é aquele de sempre, que a gente ouve muitas pessoas falarem, mas é real mesmo, nós temos que estudar bastante mesmo, ler livros, jornais, revistas, para você se inteirar sobre diversos assuntos, quanto mais cultura você tiver, mais você vai conseguir colocar isso no seu trabalho, na sua linguagem, enfim, você precisa disso para estabelecer uma linguagem. E tem que ter muita paciência, dedicação e força de vontade, por que o mercado é muito fechado e o início não é fácil. Às vezes a gente acaba se decepcionando com algumas coisas que podem vir a acontecer quando estamos começando, mas não podemos nos desesperar, ter pressa para querer chegar. Nunca desista, você não pode desistir do que você tem vontade de fazer. Se você tem certeza que quer isso, é só correr atrás.

Leia também: Casa dos Focas entrevista Epitácio Pessoa, fotojornalista do Jornal “O Estado de São Paulo”.

Por Emílio Portugal Coutinho

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Emílio Coutinho
Emílio Coutinho
O jornalista, professor universitário e escritor Emílio Coutinho criou a Casa dos Focas em 2012 com o objetivo de oferecer um espaço para o ensino, a reflexão, o debate e divulgação de temas ligados ao jornalismo e à comunicação em geral.
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