InícioMestres ensinamColuna do Heródoto Barbeiro: A dona da rua

Coluna do Heródoto Barbeiro: A dona da rua

(Foto: Pixabay)
(Foto: Pixabay)

Cumpadre falar mal da cumadre é tão antigo como a Sé de Braga. Ninguém passava incólume pela janela do velho casarão da antiga Travessa do Hospício, na baixada do parque Dom Pedro, no centro velho de São Paulo. Dona Juventina, velha e maquiada, batom carmim, miçangas douradas nos punhos e no pescoço não saía do seu posto. Sabia tudo o que acontecia nas velhas casas da rua e também do antigo cortiço habitado sobre tudo por negros em frente à sua decadente e descorada casa. Ela sabia tudo de todos e divulgava amplamente. Era dessa forma que as malícias, brigas, pequenos furtos, e análise do caráter de um e outro eram divulgados no meio da comunidade. As notas escolares, bilhetes de admoestação, reprovação na escola, namoricos entre estudantes eram espalhados com eficiência para velha senhora. Os escândalos maiores como traições ganhavam grande destaque e não se passava pela janela da Juventina sem que ela contasse o caso e fizesse perguntas para aperfeiçoar suas histórias. Ninguém duvidava se tudo aquilo era verdade ou não. A priori era verdade uma vez que a fonte era a velha feiticeira que viveu até a década de 1970. Parecia uma internet sem streaming

Com o advento e o desenvolvimento das redes sociais, o número de juventinas multiplicou-se com uma velocidade impensável. Se está publicado em uma plataforma qualquer, pode ser um website ou uma rede de WhatsApp, está correto. Pode estar correto. Deve ser verdade. O atropelo do modo de vida atual incentiva as pessoas a não se preocupar se a história contada é fato ou se é ficção. Isto é reforçado com a facilidade de se montar uma imagem que pode ser uma foto, um vídeo de uma reportagem de um veículo de boa marca, ou a capa de um jornal, com logotipo e tudo mais. Primeiro se compartilha na rede social, depois se pergunta se é fato ou ficção. Como nos velhos filmes de bang bang onde Ringo atirava primeiro e perguntava depois. Divulgar falsidade pode ser um bom negócio uma vez que os acessos se multiplicam e surgem oportunidades de se agregar uma publicidade que remunera o autor e a plataforma. Todos tem o direito de procurar na internet as opiniões que casem com as suas, mas também tem a obrigação de se perguntar se o que leem tem ou não fundamento. Ainda que trabalhoso.

A mesma faca que descasca uma batata para matar a fome pode matar uma pessoa. O mesmo vale para a internet e suas plataformas. Qualquer um pode se julgar repórter investigativo, editor de matérias e publicar na web. Um avanço uma vez que graças a essa nova tecnologia não é possível mais segurar informação nem notícia. Os que sabem transformar uma informação em notícia são jornalistas com ou sem diploma. É avaliado por sua capacidade e não pela burocracia. Porém como distinguir se o divulgador está ou não separando a ficção dos fatos? Uma das possibilidades é olhar o chapéu onde a notícia é abrigada. Se há uma marca de credibilidade certamente os jornalistas perguntaram se o fato aconteceu ou não antes de divulgá-lo, um preceito que abre o código de conduta de muitas empresas jornalísticas. Mas o chapéu também pode ser individual, de uma pessoa que acumulou ao longo da vida respeitabilidade e portanto é crível. Há outras saídas, mas estas duas são as mais populares e fáceis de praticar. Ainda que haja espaço para manchetes que não são verdadeiras porque fazem parte de uma publicação satírica e bem humorada como O Faísca, do portal R7.

Por Heródoto Barbeiro

Perfil de Heródoto Barbeiro

Heródoto Barbeiro

Heródoto Barbeiro é jornalista, âncora do Jornal da Record News e do R7, diariamente as 21h. Ex-apresentador do Roda Vida da TV Cultura e do Jornal da CBN. Autor de vários livros na área de treinamento, história, jornalismo e budismo.

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Emílio Coutinho
Emílio Coutinho
O jornalista, professor universitário e escritor Emílio Coutinho criou a Casa dos Focas em 2012 com o objetivo de oferecer um espaço para o ensino, a reflexão, o debate e divulgação de temas ligados ao jornalismo e à comunicação em geral.
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