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“Nunca tivemos tanta possibilidade de discutir Jornalismo como hoje”, afirma Bruno Paes Manso

Conteúdo publicado em parceria com a Jornalismo Júnior (ECA-USP)

Bruno Paes Manso - Foto: Benigno Jr
Bruno Paes Manso – Foto: Benigno Jr

Bruno Paes Manso é jornalista da Ponte Jornalismo, que reporta temas de segurança e direitos humanos. Pós-doutorando do Núcleo de Estudos de Violência da Universidade de São Paulo, ele comenta sobre a crise e a reforma do Jornalismo, o impacto das mídias na violência e o papel da Ponte no debate público. Palestrante da II Semana da Jornalismo Júnior, ele conversou com a nossa equipe.

Jornalismo Júnior – Como foi o seu primeiro contato com o Jornalismo?

Meu primeiro emprego foi em 1992, na revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios. Na USP, fiz Economia. No terceiro ano, achava a matéria legal, mas não me sentia à vontade no ambiente, e não tinha vontade de seguir a profissão. Aí prestei Jornalismo na PUC-SP e cursei junto com Economia, mas só trabalhei com Jornalismo.

J.Jr – Como estava sua carreira quando surgiu a Ponte?

Estava numa nova fase da carreira, já há dez anos no Estadão, mas nesse tempo fiz mestrado e doutorado. Durante meu mestrado, saí da redação para trabalhar num instituto de pesquisa, mas depois voltei para a redação fazendo doutorado e pesquisando homicídios. Prestei pós-doutorado, e o Jornalismo já estava mudando, pelo menos o de grande redação – houve os protestos de junho de 2013 que chacoalharam pelas críticas que existiram e por formas de cobertura paralelas, mídias sociais e toda uma vida fora das redações. A Agência Pública tinha uma ‘grana’ para investir em grandes reportagens sobre segurança pública quando reunimos um pessoal e falamos: bem, em vez de fazermos matérias, vamos pegar a grana e fazer uma cobertura cotidiana disso.

J. Jr. – As jornadas de junho impactaram muito?

Sim. Porque trabalhar nesse processo industrial de uma grande redação é frustrante. Você aprende muito, tem muitas oportunidades, mas como eu tinha essa vida paralela na área de pesquisa, atrapalhava. Enchia o saco fazer pauta para um jornal com lide, com a forma que eles queriam, mas ainda queria apurar e pesquisar sobre essa área de violência urbana e segurança pública de São Paulo. Surgiu a chance do NEV, o pós-doutorado, que interessava à continuidade da minha tese. Passei no pós-doutorado, mas minha paixão é Jornalismo. Então, queria manter o cotidiano do trabalho de apuração e de informação, quase um contato permanente com a área que cubro.

J.Jr. – Existe uma crise e uma reformulação no Jornalismo atual?

Ah, total. A publicidade, que financiava o impresso, migrou para a internet. Então, as redações diminuem, e isso também afeta TVs, rádios, mas mais as redações. Demitiu-se muita gente, e esse processo industrial ficou muito frustrante para quem trabalha em redação, porque você cobre o dia, com mais de uma pauta, e você não mergulha numa história. Por isso, as coisas mudaram um pouco. Você não precisa mais de indústria gráfica para ter jornal ou meio de comunicação: pode ter duas pessoas na redação que têm grana de publicidade do governo. Por outro lado, a Ponte, que busca um apartidarismo, um Jornalismo livre e autosustentável, tenta descobrir formas e modelos diferentes. Temos dificuldade de arrumar grana, mas, também, uma certa tranquilidade, porque esse tipo de cobertura é necessária, é papel do Jornalismo. Jornalismo não é militância nem ativismo, e nunca tivemos tanta possibilidade de discuti-lo como hoje.

J. Jr. – Quais impactos o Jornalismo da Ponte causa no debate público?

O nosso objetivo entra na discussão do sistema de aprisionamento e segurança pública e do efeito colateral que causam. Ninguém fala que não é necessário polícia ou prisão, mas se trata da qualidade desse sistema, da quantidade de injustiça que ele provoca, de como é feito, de efeitos colaterais, do fortalecimento do crime, da fragilização das autoridades do Estado e da democracia.

J. Jr. – Como o jornalismo e os meios de comunicação contribuem para aumentar a violência?

Para mim, programas como os de Datena e Marcelo Rezende são grandes males da alma de São Paulo: aumentam o medo, reforçam estereótipos e uma visão simplista da realidade. Eles ficam três horas no ar falando de casos excepcionais que são fáceis, porque são inquéritos, documentos policiais com fonte na polícia. Então, são programas que têm que ser criticados. Eles estão explorando a morbidez e o medo das pessoas para ganhar dinheiro. Ao mesmo tempo, eles fazem sensacionalismo. Eu acho péssimo, eles não fazem Jornalismo: fazem entretenimento mórbido.

J. Jr. – Na II Semana da Jornalismo Júnior, você vai palestrar sobre cobertura de conflitos armados. Como é São Paulo nesse sentido?

É uma das cidades com menos homicídios hoje no Brasil – até 1999 ou 2000 era uma das cinco cidades mais violentas, mas reduziu em 80% esse número. Então, é uma outra cidade, e não é uma zona de conflito desse tipo. Mas São Paulo não é fácil, tem complexidades e outras questões. E quais questões? Bem, isso é Jornalismo. A gente tem que buscar respostas para elas. O que acontece em São Paulo? Por que pararam de se matar, por que se matavam adoidados? Eu conversava com muitos homicidas para tentar entender por que eles matavam. Numa guerra, você sabe o porquê. Mas e aqui?

J. Jr. – Como foi a experiência de entrevistar homicidas?

Foi um divisor de águas. Em 1999, homicídios eram recordes em São Paulo. Para fazer uma matéria sobre isso na Veja, a gente tinha que dar algo que nem TV ou jornais tinham dado. Buscamos esses caras. Perguntava: por que você mata e quem você mata? E os caras falavam. Um tinha matado 40 pessoas, a gente conversava e eu entendia o que ele falava a ponto de compreender que ele não ia me matar. Aí falei: esse cara tem uma convicção muito grande, e, ao mesmo tempo, as pessoas que conversam com ele – porque tinha mais gente na sala – compreendem-no. E aí eu pensei: o que isso significa? Como um discurso desses é produzido? Como é que um cara me conta um discurso desses e eu concordo com ele? Não era um discurso racional, mas era um discurso produzido pelo contexto em que ele vivia. Gosto de chamar de “moralidade da sobrevivência”, parte de um processo de moralidade, de crenças e valores que se transformam em São Paulo.

Por Felipe Saturnino

Perfil do Autor

Felipe Saturnino

Felipe Saturnino é paulistano, estudante do primeiro ano de Jornalismo da USP e repórter da Jornalismo Júnior.

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