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Livro ressalta o trabalho dos motoristas de reportagem

“Seu Dodô trabalhava de madrugada, dirigindo a Rural Willys do Globo, nos anos 1960. Um dia, teve de fazer um serviço sem acompanhante. Quando chegou à zona sul, começaram a chover telefonemas para a redação avisando que tinha um carro do jornal andando sozinho. É que ninguém percebia o motorista: muito negro e muito baixinho, seu Dodô simplesmente desaparecia no interior do veículo.” Essa é uma das histórias contadas no livro “Repórter no Volante: o papel dos motoristas de jornal na produção da notícia”. Apesar de ser verdadeira, ela pode ser utilizada como uma perfeita metáfora da invisibilidade de um profissional tão importante para o trabalho de reportagem.

A jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense (UFF), Sylvia Debossan Moretzsohn, autora da obra, procura ressaltar a importância dos motoristas como membros de uma equipe, tanto no desempenho de sua tarefa mais elementar –a condução do carro– quanto nas muitas outras formas de colaboração.

Sylvia Debossan Moretzsohn
Sylvia Debossan Moretzsohn, autora do livro “Repórter no Volante”

Ser motorista de jornal não é para qualquer um, pois “o motorista de reportagem tem de ter a agilidade de um motorista de ambulância, o conhecimento de um motorista de táxi e a agressividade de um motorista de ônibus”, diz um trecho da publicação.

Logo na introdução da obra é explicada a divisão do trabalho. “O livro se divide em duas partes. A primeira traz dois capítulos: um sobre as transformações da prática jornalística diante das novas tecnologias, o que aponta uma série de incógnitas sobre o futuro dessa atividade; e outro sobre as relações entre jornalistas e motoristas, compondo um amplo quadro de colaboração –e eventuais conflitos–, solidariedade e mesmo amizade, refletido nas esticadas depois do fechamento e nas confraternizações em festas, churrascos e botequins. A segunda parte reúne uma seleção de entrevistas com motoristas, nas quais eles expõem sua maneira de encarar o trabalho, suas contribuições para a realização das reportagens e também, frequentemente, suas frustrações pelo não reconhecimento de seu papel como membros de uma equipe.”

Uma série de histórias de repórteres e fotojornalistas em ação, são apresentadas no livro a partir de um ponto de vista diferente: o de seus motoristas. Dessa forma, a autora ressalta a importância do trabalho coletivo no jornalismo e torna conhecidos personagens que costumam ficar à margem, relegados à sombra.

Funcionários do antigo Jornal do Brasil, do Globo, do Extra, do Dia e da sucursal carioca da Folha de S.Paulo fizeram parte do grupo de motoristas entrevistados pela jornalista, o que rendeu boas histórias.

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Ao longo da leitura do livro, pode-se comprovar a afirmação de um dos entrevistados: “O motorista é o segundo olho do repórter”. Por sua origem social e seu local de moradia, os motoristas podem dar sugestões de pauta que possibilitam a ampliação do olhar sobre a cidade. “Saem do carro, ficam circulando, encostam-se no balcão de um bar, fumam um cigarro, pedem um cafezinho e puxam conversa com quem está por ali. Raramente voltam sem alguma informação relevante.”

De acordo com o fotógrafo Domingos Peixoto, um dos entrevistados, a importância do motorista para a reportagem é de 50%, especialmente quando se trata de situações de conflito: “Quando você chega numa comunidade carente, você tem um grupo de pessoas que quer falar e ao mesmo tempo um grupo de pessoas que não quer, porque tem receio. O acesso mais fácil pra essas pessoas é o motorista, porque o motorista está afastado do tumulto. Se você quer falar alguma coisa que precisa ficar em off, você vai falar com o motorista. Aí começa a hierarquia. Em segundo plano vem o fotógrafo, as pessoas gostam muito do fotógrafo, porque sabem que ele vai documentar. E, se registrar, tá registrado. E em terceiro lugar vem o repórter. Sempre é essa hierarquia.”

Se um repórter fez uma ótima matéria, um fotógrafo tirou um belo retrato, e ambos foram premiados, quem os conduziu? Esse é o mote do livro que eu aconselho a todos os estudantes de jornalismo.

Leia também:

– Livro ensina maneira prática de escrever um texto jornalístico em português bem claro

– Mestres da Reportagem ensina como ser Repórter

– Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros

Título: Repórter no volante: o papel dos motoristas de jornal na produção da notícia
Autora: Sylvia Debossan Moretzsohn
Editora: Publifolha
Ano: 2013
Páginas: 183

Por Emílio Portugal Coutinho.

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Emílio Coutinho
Emílio Coutinho
O jornalista, professor universitário e escritor Emílio Coutinho criou a Casa dos Focas em 2012 com o objetivo de oferecer um espaço para o ensino, a reflexão, o debate e divulgação de temas ligados ao jornalismo e à comunicação em geral.
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