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Uma coisa chamada medo

Dia desses surtei. Pequenas coisinhas na faculdade foram se acumulando com problemas no estágio, as dificuldades de morar fora de casa e o tempo cada vez mais escasso. Desesperei “com força”, como diriam nos rincões de Minas, e decidi: jornalismo não é pra mim. Embora tenha mudado de ideia uma semana depois, a experiência em buscar na minha universidade o termo de trancamento do curso, de passar alguns dias longe de redação repensando o que me trouxe até aqui foi algo enriquecedor.

Sei que quero ser jornalista desde os 12 anos de idade. A escolha veio logo depois de ler um livro bobinho, “Furo de Reportagem” do Roberto Jenkins de Lemos. Na história, Chicão, Marcos, Décia e Terê são editores de um pequeno jornal escolar quando se deparam com um estranho caso de desaparecimento. Li a história em uma tarde e no outro dia, tava lá no colégio tentando viabilizar nosso próprio jornal.

Desenvolvi um sistema de assinaturas (onde o aluno receberia o jornal caso doasse uma quantidade X de folhas A4) e até consegui bastante gente interessada em colaborar. Para nossa primeira edição, planejávamos uma entrevista com o bispo da Arquidiocese da minha cidade, falando sobre “O Código Da Vinci”. Naquela época, essa era a minha definição de polêmica.

O projeto não andou por falta de apoio da escola. Mesmo assim, a centelha tinha sido acesa. A partir daí, meu amor pela profissão foi só crescendo conforme eu tomava mais contato com o que era feito de verdade. No vestibular, em 2010, não tive a menor dúvida do que escolher e lá estava eu, caminhando para algo que eu queria há tempos.

Tanta empolgação assim não me deu tempo de realmente parar para pensar de verdade naquilo que estava fazendo. No primeiro período tudo são flores. Do segundo em diante, fui tomando contato com um mundo pantanoso e, a cada relato, mais aterrorizante. É o que eu nomeei de “Tripé do Sucesso”. Para começar, aquilo que mais me atormentou nessa semana sabática: o famoso Q.I., ou quem indica.

Professores dizem que já foi pior. Colegas recém-formados dizem que a saída é se enveredar pelas mídias alternativas. Eu, por outro lado, tenho visto de muito perto como funciona o mercado. Cada vez mais, tenho observado a indicação em detrimento da qualidade. Não faz muito tempo, vi uma repórter de anos ser demitida para dar lugar à sobrinha do presidente executivo da empresa.

Sou do interior. Embora não seja exatamente pobre, minha família nunca viveu de forma abastada. Nossos contatos se resumiam ao círculo de influência no entorno da pequena Diamantina, cidadezinha histórica de 48 mil habitantes onde nasci e me criei. É desanimador pensar que todo o meu esforço na faculdade e o meu amor pela profissão será dispensado em detrimento de alguém bem relacionado.

Nesse ponto do texto, você pode dizer “mas o mercado tem espaço para quem é qualificado”. Sim, é verdade. E é aqui que esbarramos na segunda ponta do Tripé: o pouco acesso a cursos extracurriculares para quem vive fora do eixo Rio-São Paulo.

Semana passada, comentei em um post da Casa dos Focas que “no Rio e em Sampa, só não se forma bom jornalista o estudante que não quer”. Todos os grandes seminários e workshops são realizados nessas duas cidades. Com frequência, palestras e encontros são oferecidos, coisas que fazem qualquer estudante chorar lágrimas de sangue. No Rio, o Médico sem Fronteiras oferecerá em breve um seminário de cobertura jornalística em conflito e já em meados de outubro, a cidade recebe a Conferência Global de Jornalismo Investigativo. Em São Paulo, oficinas de Jornalismo Gonzo foram ministradas este ano por repórteres de alto garbo, como o famoso e ótimo Bruno Torturra (ex-Trip e atual coordenador do Mídia Ninja).

Daí, um aluno mineiro se pergunta: como eu vou sair daqui para lutar com quem teve acesso a esse tipo de coisa? É o que desencadeia a terceira, e talvez mais importante ponta do Tripé: a oportunidade. Muita gente que se forma aqui sonha tentar o Focas do Estadão ou o Curso Abril de Jornalismo. Porém, enquanto aqui, conseguir um estágio em um jornal local de relevância restrita às fronteiras de nosso estado já é um jogo de Gladiador, em São Paulo e no Rio há uma infinidade de programas de estágio em grandes redações.

Para exemplificar, basta tomar como base o estágio da Editora Globo (para as revistas) e o Programa Boa Chance (para os jornais impressos): estudantes de outros estados não podem participar. Os programas de trainee existem? Sim, aos montes. Mas o perfil do aluno selecionado é quase sempre o mesmo: com ampla experiência em veículos de renome, poliglota e lastreado em prêmios.

De tudo isso o que sobra é uma coisa chamada… medo. Um medo puro e genuíno, com gosto de fracasso. Não foram poucas as vezes desde então em que me peguei perguntando: por que ainda estou tentando? Dinheiro para mim nunca foi fator atrativo e, se escolhi jornalismo, foi pela vontade de conseguir mudar, ao menos um pouquinho, a realidade de tanta gente que só precisa ser vista. Mas qual é a vantagem em persistir se vou ganhar um salário irrisório e ter absolutamente nenhuma influência?

Entendam, esse texto não é apenas um grito de uma criança mimada que não pode ter seu doce e muito menos quero desqualificar a importância e relevância dos veículos regionais. Ao mesmo tempo, tenho certeza que mesmo aqueles com acesso a tudo que citei acima batalham e batalham muito para chegarem onde chegam. O propósito, contudo, foi mostrar a concorrência desleal ao qual nós, distantes do centro efervesceste do país, somos submetidos. E se tá assim pra mim, que mora ao lado, imagina a perspectiva de quem reside no Norte ou Nordeste trabalhar em uma plataforma de alcance nacional?

Tropeçando nessas questões, mais e mais daqueles que poderiam se tornarem ótimos profissionais vão ficando pelo caminho. E as empresas de comunicação, tão pragmáticas, distanciam-se cada vez mais do discurso plural do qual tanto se orgulham por apoiar.

Por Igor Patrick Silva.

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Perfil de Igor Patrick Silva

Igor Patrick Silva
Há três anos, Igor P. Silva decidiu que de fato tinha nascido com vocação para a pobreza. A partir daí, se mudou para Belo Horizonte, onde cursa Jornalismo na PUC Minas. Em 2012, recebeu honra da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP/IAPA) por sua matéria “Liberdade Ainda que Tardia” e desde então, escreve para o Jornal Pampulha e O Tempo, publicações da Sempre Editora.

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4 COMENTÁRIOS

    • Olá Priscila! Que bom que você está aprendendo com a Casa dos Focas. Sinta-se à vontade para tirar suas dúvidas ou sugerir algum conteúdo. Até mais!

      Emílio Coutinho

  1. Olá FOCAS, quando visito o CASA e vejo essas reflexões dos formandos, o AMOR que tenho pelo Jornalismo vem com uma carga inexplicável misturada com emoções.
    E daí tiro a conclusão de que não estou sozinho, existe muitos LOUCOS como eu.
    Um grande abraço Queridos, site espetacular. Parabéns.

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